sexta-feira, 18 de março de 2016

Talvez

Sinto seu membro dentro de mim, segure minha mão, não te deixarei cair, não desta vez, não nesta vida. Até onde você iria se soubesse que hoje é seu último dia de vida, sacrificaria até mesmo aqueles a quem ama? Sinto uma espécie de relógio negro em meu interior, sugando todas as emoções, tudo que era bom se foi, restam apenas lembranças de um tempo ruim. "Talvez eu me arrependa… Mas agora eu preciso descobrir o que sobrou de mim mesma. Não posso te arrastar para uma vida de comparações. Você merece coisa melhor do que alguém acampado numa encruzilhada tentando enxergar o caminho, qualquer caminho. O amor exige muito e eu tenho muito pouco pra dar. Nem sei se com este pouco se faz vida. As emoções escorrem, nada penetra. Talvez eu me arrependa, talvez." A natureza morta acompanha-me, pois ela é tão morta quanto meu interior, o eterno vazio, o tilintar de duas taças, onde a solidão acolhe-me, o âmago de meu ser. Cuspo o sangue, a vida se esvai lentamente, escorre de meus olhos, mancha minha face, e então nada resta, sequer uma palavra de consolação para ser dita a este ser moribundo. Eu acreditei cegamente, e a nada isso me levou, apenas ao grande poço de maldade que é esta sociedade em que agora vivemos, habito no escuro, nas sombras, no fundo de cada copo de bebida, de cada desgraça e decepção. Arrasto-me por este asfalto afora, cheia de tolas citações que míseros leigos jamais entenderiam, referências mortas, descartáveis. Este frio roupão de hospital é tudo que agora me resta, a que me agarrar. Um poeta há de descrever melhor seus sentimentos, do que qualquer garotinha tola desiludida como eu. O gosto amargo agora preenche minha boca, preciso de mais um copo de sangria, desejo beber teu sangue, comer tua carne, rasgar sua pele e admirar tudo que resta no fim. O fim de cada dia sombrio, de cada pele não tocada, de cada palavra não dita, de cada boca não beijada, de cada mente que não se exercita, e no final tudo que resta é a pena, pena daqueles seres que não conseguem ser livres, que não conseguem se levantar, andar com suas próprias pernas e enxergar toda a beleza que há através destes muros. Quem é este ser tão frívolo me pergunto, o que mais poderia ser tão primordial? Como não se comover, com uma criança abandonada que chora? Pele pálida, não há um resquício sequer de compreensão, de humanidade, seus olhos são negros, sombrios, e são minha última visão deste mundo antes que minha cabeça tombe para trás, o inferno disfarçado de paraíso.

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